Sunday, December 9, 2007

episódio 2...

acordei... não sei onde estou, não me lembro de ter adormecido... tento ficar com os olhos abertos, mas mal consigo... a luz é fraca, reparo que entra por entre os cortinados da grande janela do quarto, os cortinados são muitos escuros e de um tecido muito pesado, tipo veludo... levanto-me e cambaleio, estou em tronco nú, só com as minhas Levi´s e descalço...

começo a ouvir uns gritos, não sei de onde vêm... mas começo a perceber que os gritos coincidem com os meus passos, olho para a alcatifa, reparo que é colorida, cheia de cores berrantes...

vou direito à fresta de luz que os cortinados deixam passar, fecho os olhos antes de os abrir, assim que sinto a claridade e o calor da luz viro-me de costas para a janela antes de abrir os olhos, olho para o quarto onde dormi...

pela janela entram agora os raios de Sol, que iluminam as paredes, uma de cada cor, uma das paredes está practicamente coberta de fotos antigas, com pessoas e sítios que não conheço e de que nunca ouvi falar...

não sei que horas são porque há uns dois anos que não uso relógio, neste quarto também não há nenhum à vista... procuro o que trazia calçado, nem me lembro do que era, descubro um dos meus Caterpillar debaixo da cama, e descubro o outro numa prateleira, ao lado de uns livros de bruxaria...

deve haver por qualquer lado uma t-shirt, sweat, ou casaco... ou será que vim assim? descubro uma camisa do Spiderman de manga curta, que já conheço, estive com ela na mão, quase a comprei numa daquelas tendas de roupa do Festival do Sudoeste...

dirijo-me à porta do quarto, rodo a maçaneta e saio, vim dar directamente à rua... olho para trás, é mesmo só um quarto, uma casa que é só um quarto... olho à volta e há mais três casas iguais, dispostas em cruz, todas com as portas viradas para o centro... fui abrir as portas para confirmar o que desconfiava, as outras casas são a cozinha, a casa de banho e a sala, tenho uma vedação à volta, que salto porque não há portão...

estou num deserto, um deserto daqueles com montanhas à volta, e não sei porquê, não estranho... estou sozinho, mas sinto que não... quando olho para a areia do chão, vejo pegadas por todos os lados, pés descalços, botas e de animais, em todas as direcções...

ouço vozes, sussurros... cerro os olhos para ouvir melhor, e consigo distinguir uma frase dita numa voz mais aguda... "-Granda mangalhuça!" assim do nada, as vozes começaram a ficar audíveis, começaram a aparecer imagens e movimentos...
olhei de novo para o sitio de onde veio a frase, e vejo três miúdos agachados, um a jogar ao bilas, outro ao guelas e o terceiro aos berlindes...

volto a olhar à volta, de repente e sem sair do sitio, estou numa aldeia, que era ainda agora um deserto...

comecei a caminhar em direcção ao que devia ser uma feira, de frutas, de animais, de trapos e merdas em madeira...
na bancada das abóboras estava um homem, que enquanto comia que ia dizendo: "-Tenho aqui a minha irmã que é surda-muda..."

observei toda a feira, vi as cores todas, de tudo... senti sede, fui a uma das tascas lá da zona, a porta estava estroncada, e à entrada estavam uns velhos a jogar Master Mind, e assim que entrei começou a chover, mas não era água, estava a chover granito, o pessoal abrigou-se todo, a tasca ficou cheia durante o temporal...

fiquei ali à espera que passasse, e fui ouvindo as conversas, percebi que aqueles temporais de granito eram comuns, ninguém discutiu muito o assunto, uma mulher que estava a comer um arroz de lentilhas, comentou: "-O arroz está trincadero..." mas quem estava do outro lado da mesa não lhe respondeu e ela também não disse mais nada...

os putos que eu vi a jogar com os bilas, guelas, e berlindes, estavam muito inquietos, queriam ir para a rua apanhar o granito, uma velha, já farta dos putos, gritou-lhes: "-Prantem-se quedos!" mas os putos não lhe ligaram nenhuma e saíram para a rua, agora que a queda de granito tinha parado...

bebi um copo de Old Spice com gelo, que não paguei, mas me soube muito bem, um homem que estava muito chateado com o temporal, dizia ao tasqueiro: "-A culpa é toda do buraco do azoto...", o tasqueiro disse-lhe para descontrair, porque depois da tempestade vem sempre o Bonanza, o homem não lhe ligou e continuou a resmungar...

saí da tasca e observei que os velhos do Master Mind não sabiam as regras, sentei-me ao pé deles e fiquei por ali, a tentar perceber como é que teria ido ali parar, o que tinha feito no dia anterior, não conhecia ninguém, e não me lembrava da cara de ninguém, nem dos meus pais, se eles passassem ali, naquele momento à minha frente, eu não os iria reconhecer, mas estranhamente não estava preocupado, ou assustado, pelo contrário, sentia-me bem naquele sitio...

enquanto os velhos discutiam, dizia um: "-Otário doing?!? What's the merda with you?!?" e responde o outro: "-Tem calma, Roma não foi queimada num dia..."

ia a passar um casal, ela pára e começa a tirar uma das sandálias, ele perguntou-lhe o que se passava, respondeu-lhe ela: "-É a sandália, está a magoar-me, rói-me aqui que é um disparate...", ele descansa-a, diz-lhe que tem lá em casa uma faca de dois legumes e que lhe corta a sandália...

volto a ouvir um dos velhos, que pergunta ao outro: "-Quantas vezes na tua vida já foste à casa de banho?", o outro ficou a pensar, e diz-lhe que não se lembra...

os putos dos berlindes, guelas e bilas, passeiam por ali, e diz o dos calções: "-A Pandora tem uma caixa, mas ninguém sabe o que tem lá dentro..." e comenta o do boné, enquanto mete os dedos no nariz: "-Eu sou da turma da Pandora, mas nunca lhe abri a caixa..." e diz o terceiro, o dos óculos: "-Antes de meteres os dedos no nariz, rói as unhas..."

1 comment:

Bela Sonhadora said...

este texto soa me familiar... será que é?